O direito à herança, assegurado pelo artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal de 1988, é um dos direitos fundamentais. O Código Civil brasileiro, em seus artigos 1.784 a 2.027, estabelece as regras e procedimentos para o exercício desse direito.
Quando um herdeiro aceita uma herança, pode fazê-lo de maneira expressa, por meio de um documento formal, ou tácita, através de ações que evidenciem a aceitação. Em ambas as formas, ele assume tanto os direitos quanto as responsabilidades da herança, com o mesmo efeito legal.
Por isso, a aceitação deve ser expressa é formalizada por uma declaração escrita, enquanto a aceitação tácita resulta de comportamentos que mostram a aceitação dos bens e das obrigações da herança, disposto no artigo 1.805, §1º e §2º do Código Civil.
Conforme Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira1
Se o herdeiro aceita a herança, quer de forma expressa ou tácita, posterior renúncia é ineficaz. Aliás, uma aceitação expressa, por escrito, dificilmente é encontrada. Comum, porém, é a aceitação tácita, e o herdeiro outorga procuração ao advogado, entra no processo ou requer a abertura do inventário e já aceitou a herança de forma definitiva. O Código menciona as duas formas de aceitação: expressa e tácita. Ir ao funeral, à missa de sétimo dia, pagar uma conta hospitalar de seu falecido pai não pode ser considerada como aceita a herança. É preciso que ele pratique um ato inerente, como, por exemplo, contratar um advogado para defender um bem que tenha sido invadido, ou, até mesmo, cobrar alugueis do inquilino. A aceitação é ato jurídico simples, sem maiores formalidades.
Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aceita a herança, tácita ou expressa, não pode mais haver renúncia a ela.
Jurisprudência: INVENTÁRIO Herança Renúncia Descabimento Herança aceita inequivocamente pela agravante, que ajuizou o inventário declarando-se herdeira universal aceita a herança, tácita ou expressamente, não pode mais haver renúncia a ela Arts. 1805 e 1812 do CC Decisão mantida Recurso desprovido. (TJSP2 – (Relator(a): Rui Cascaldi; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 1a Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 06/08/2013; Data de registro: 13/08/2013).
No âmbito tributário, após a aceitação da herança, o herdeiro deve declarar os bens recebidos e pagar o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), conforme as normas e alíquotas estipuladas pela legislação do estado onde o falecido residia. A aceitação da herança é um passo essencial no processo sucessório, mas não constitui, por si só, o fato gerador do imposto.
Noutro giro, temos o artigo 1.806 do Código Civil aborda a renúncia de direitos hereditários, que é quando um herdeiro decide não aceitar a herança por qualquer motivo, nesse caso, a renúncia pode ser feita de forma abdicativa, ou seja, o herdeiro desiste da herança, e a parte que lhe caberia é incorporada ao total a ser dividido entre os outros herdeiros.
A renúncia também é definitiva e jamais poderá o herdeiro arrepender-se.
No contexto tributário, a renúncia à herança não acarreta obrigação tributária para o renunciante, pois não há transferência ou alienação da herança; ele apenas deixa de ser herdeiro, como resultado, os demais herdeiros, que permanecem na mesma linha de descendência ou que se tornam herdeiros devido à renúncia e assumem a responsabilidade tributária.
De acordo com Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira3
A lei prevê duas formas de renúncia: abdicativa e translativa. Aquele é a renúncia pura e simples e este é um ato complexo, porque implica em aceitação e transferência do direito para outrem. A renúncia abdicativa deve ser feita “em benefício do monte”, isto é, a pessoa renúncia e os remanescentes (aceitantes) recolherão a herança. Quando a renúncia é abdicativa não gera tributo, A lei não consagra a renúncia tácita, deve ela ser expressa e cumprir o renunciante as formalidades legais. Faz-se por escritura pública ou instrumento autêntico. Na prática do dia a dia, os herdeiros outorgam ao advogado uma procuração por instrumento público, conferindo-lhe poderes para renunciar a herança. O herdeiro já disse ao magistrado que não quer, e será lavrado, no processo de inventário, um termo de renúncia, que deverá ser assinado pelo advogado, que recebeu os poderes em instrumento público. Há muitos anos, e acontece, também, em pequenas comarcas do interior, o advogado colhe a assinatura do renunciante em procuração por instrumento particular. Se o juiz for mais rígido, mandará que seja lavrada a renúncia formal, exigindo que o herdeiro a assine.
Nesse ínterim, a Jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina é condição sine qua non à validade da renúncia da herança a sua formalização na forma pública, isto é, através de escritura pública, ou mediante termo nos autos de inventário.
Jurisprudência: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NULIDADE DE PARTILHA. RENÚNCIA DA HERANÇA. FORMALIZAÇÃO POR TERMO NOS AUTOS. RENUNCIANTES REPRESENTADOS POR PROCURADOR MUNIDO DE PROCURAÇÃO PARTICULAR. INVALIDADE DO ATO. NECESSIDADE DE INSTRUMENTO PÚBLICO DE MANDATO, COM PODERES ESPECÍFICOS, OU O COMPARECIMENTO PESSOAL DE TODOS OS HERDEIROS RENUNCIANTES EM JUÍZO, OU, AINDA, A CONFECÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA DE RENÚNCIA (ART. 806 DO CC/2002). PARTILHA NULA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. É condição sine qua non à validade da renúncia da herança a sua formalização na forma pública, isto é, através de escritura pública, ou mediante termo nos autos de inventário, neste caso, com o comparecimento pessoal de todos os herdeiros renunciantes em juízo, ou, se representados, que o procurador esteja munido de instrumento público de mandato, com poderes específicos, não sendo suficiente a procuração particular.(TJ-SC – AC: 20111028065 SC 2011.102806-5 (Acórdão), Relator: Stanley da Silva Braga, Data de Julgamento: 15/08/2012, Sexta Câmara de Direito Civil Julgado).
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também se manifestou no sentido de que a renúncia é um ato solene.
A renúncia da herança é ato solene, exigindo o artigo 1.806 do CC, para o seu reconhecimento, que conste “expressamente de instrumento público ou termo judicial”, sob pena de nulidade (CC, artigo 166, IV), não produzindo nenhum efeito, sendo que “a constituição de mandatário para a renúncia à herança deve obedecer à mesma forma, não tendo validade a outorga por instrumento particular (REsp 1.236.671/SP, Rel. p/ acórdão Ministro SIDNEI BENETI, Terceira Turma, julgado em 09/10/2012, DJe de 04/03/2013). Na hipótese, o Tribunal de origem não considerou válida a constituição de mandatário por instrumento particular pela viúva-meeira do falecido para o fim de renúncia translativa à sua parte da herança. Incidência da Súmula 83/STJ. Agravo interno a que se nega provimento. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, 11 de abril de 2022. Ministro RAUL ARAÚJO Relator.
Agora, vamos explorar a complexa Cessão de Direitos Hereditários, um dos temas mais intrincados e relevantes desse artigo, esse mecanismo é essencial para herdeiros que desejam transferir sua parte antes da conclusão do inventário, a cessão envolve questões jurídicas e sociais complexas e requer uma atenção meticulosa dos requisitos legais para assegurar a validade do acordo.
Dessa forma, ocorrendo o falecimento de uma pessoa, dá-se início ao processo sucessório, no qual os bens deixados são divididos e transferidos aos herdeiros, que assumem tanto os direitos quanto as responsabilidades associadas ao patrimônio.
Oportuno mencionar, o registrado pela professora Diniz4, que: O princípio da Saisine, em um sistema de direito civil, o possuidor tem um bem que é presumido como o seu legítimo proprietário, a menos que se prove o contrário, ou seja, a posse de um bem é suficiente para que o possuidor seja considerado como seu proprietário, até que se demonstre a existência de um direito de propriedade conflitante.
A professora Diniz5, ensina que: O princípio da Saisine discutido no âmbito das sucessões, afirma que a transferência da propriedade ocorre automaticamente com o falecimento do proprietário, o princípio da Saisine é a regra que estabelece que, com o falecimento do titular, a propriedade é transferida imediatamente para os herdeiros, dispensando qualquer formalidade adicional para a efetivação da transferência imediatamente para os herdeiros.
Ademais, vale a pena relembrar ainda, o conceito do pacto de corvina, ou “pacta corvina”, que é sendo um acordo que se refere à herança de uma pessoa ainda viva. A expressão, derivada do latim, traduz-se como “acordo do corvo”, aludindo aos hábitos alimentares dessa ave que aguarda a morte de suas vítimas para se beneficiar dos restos mortais. Tal acordo é explicitamente proibido pelo Código Civil, conforme disposto no artigo 426, evidenciando sua natureza antiética e a necessidade de respeitar as disposições legais sobre a sucessão.
Passando-se por essas considerações, a renúncia e a cessão de direitos hereditários fazem-se necessário a manifestação de vontade relativa à herança que deve ser formalizada por meio de instrumento público ou por termo judicial nos autos para garantir sua validade, o prazo para essa formalização inicia-se a partir do momento do falecimento do titular da herança e se estende até a efetiva partilha dos bens. Ademais, é relevante destacar que, na cessão de direitos hereditários, há a incidência de impostos, o que deve ser considerado no processo de transmissão que veremos a frente.
Desse modo, a cessão de direitos hereditários constitui um procedimento jurídico pelo qual um herdeiro transfere a outra pessoa os direitos que lhe cabem sobre a herança de um falecido. Em termos práticos, isso significa que o cessionário a pessoa que recebe os direitos adquire o direito de receber a parte da herança que originalmente pertencia ao cedente o herdeiro que está transferindo os direitos. Esse processo pode ser formalizado por meio de escritura pública ou por termos nos autos, conforme estipulado pelos artigos 1.793 e 1.806 do Código Civil, sob pena de nulidade. Sublinhamos e grifamos.
Veja bem, o Código Civil em vigor, estabelece o artigo 1.793, §1º, §2º e §3º “o direito à sucessão aberta, bem como a quota-parte do co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública”.
Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira6 ensina como elaborar cessão de escritura pública, vejamos:
A cessão do direito pode ser alienado pelo herdeiro a outrem, obedecidas as regras para tal. Em primeiro lugar, somente pode ser feita por escritura pública, dando-se preferência aos demais coerdeiros. Se houve abertura de inventário, necessária, também, a prévia autorização do juiz do feito. A cessão é genérica, não podendo o cessionário determinar o bem alienado, porque todos são titulares da universalidade, até que a partilha seja ultimada e homologada por sentença. Ocorre a cessão, a miúdo, quando o interessado quer “dinheiro” e o processo demora mais que o devido. Deve, então, oferecer aos outros, diretamente ou por intermédio de petição no curso do processo. Se o juiz deferir o requerimento, estará habilitado o herdeiro ceder parte ou a totalidade do seu direito. O estranho deve ser evitado, porque dificultará concluir o processo, ddesejoso de receber um certo bem. Deixando de requerer a prévia autorização do juiz, ineficaz será a cessão, pois todos os bens estão arrolados no inventário.
Em face disso, no caso da escritura será necessário que todos os herdeiros estejam presentes e concordes para que o cessionário possa realizar o inventário extrajudicial, ele deve apresentar a escritura de cessão de direitos hereditários no momento da lavratura da escritura pública de inventário para habilitação, e se for caso o caso adjudicação, com a presença e anuência de todos os herdeiros, que devem ser maiores e capazes, o cessionário poderá receber a parte do acervo hereditário a que tem direito conforme estabelecido, nos termos do art. 16 da Resolução nº 35, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Na parte da herança e de sua administração o co-herdeiro não está autorizado a transferir sua parte da herança para uma pessoa que não faz parte da sucessão, caso outro co-herdeiro tenha interesse em adquirir essa parte nas mesmas condições.
Por outro lado, o co-herdeiro que não for informado sobre a cessão pode adquirir a quota transferida a um terceiro, desde que pague o valor correspondente à parte cedida e faça a solicitação dentro de cento e oitenta dias após a cessão, esse prazo assegura que todos os co-herdeiros tenham a oportunidade de exercer o direito de preferência e garante uma distribuição justa das partes da herança.
Segundo o artigo 1.794 do Código Civil brasileiro, quando um herdeiro pretende ceder sua parte da herança a um terceiro, os co-herdeiros têm o direito de preferência para adquirir essa parte nas mesmas condições oferecidas ao terceiro, isso significa que os co-herdeiros podem adquirir a quota cedida antes que ela seja transferida para alguém de fora da sucessão.
Se vários co-herdeiros estiverem interessados em exercer o direito de preferência sobre a quota cedida, a divisão dessa parte será feita conforme a proporção das quotas hereditárias de cada um. Ou seja, a parte cedida será repartida entre os co-herdeiros interessados de acordo com a participação de cada um na herança, garantindo que a divisão respeite a participação de cada herdeiro no espólio.
Nesse cenário, o direito de preferência na cessão de direitos hereditários, surge como um elemento crucial do instituto, assegurando aos herdeiros já envolvidos no processo sucessório a prioridade na aquisição dos direitos transferidos, garantindo a proteção dos interesses de todos os participantes.
Nesse ínterim, a jurisprudência tem consolidado o entendimento de que é nulo o negócio jurídico que não observe a exigência legal de anuência no instrumento público para a cessão onerosa de direitos hereditários.
Jurisprudência: Agravo de instrumento. Inventário. Cessão de direitos hereditários declarada inválida por desrespeitar forma expressa prevista em lei que exige instrumento público. Discordância do agravado. Impossibilidade de reduzir a termo nos autos. Recurso improvido. (TJSP- Relator (a): Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 8a Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 20/10/2015; Data de registro: 20/10/2015). EMENTA: DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO- CESSÃO ONEROSA DE DIREITOS HEREDITÁRIOS – DIREITO DE PREFERÊNCIA – CIÊNCIA DOS HERDEIROS NÃO CEDENTES – INÉRCIA – DECADÊNCIA. Nos termos do art. 1.795 do CC, “o coerdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão.” O Código Civil não veda que se demonstre a ciência a respeito da cessão por qualquer meio de prova. (TJMG – Apelação Cível 1.0011.08.020032-9/001, Relator (a): Des. (a) Evangelina Castilho Duarte, 14a CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/09/2014, publicação da súmula em 10/11/2014).
Com efeito, é importante reafirmar que a herança é classificada como bem imóvel de acordo com o art. 80, II, do Código Civil, e pode ser transmitida de forma gratuita ou onerosa. Quando a transmissão ocorre de maneira gratuita, assemelha-se à doação, estando sujeita ao Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Em contraste, na transmissão onerosa, que se equipara à compra e venda, incide o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter vivos (ITBI). É imperativo considerar essas distinções para assegurar a correta aplicação dos tributos conforme a modalidade de transmissão do bem.
Noutro giro, passando por todas as considerações, fazemos a pergunta mais importante, é possível registrar a escritura de cessão de direitos hereditários, aceitação ou renúncia no registro de imóveis? A resposta é clara, não, a doutrina e jurisprudência também diz que não!
Assim sendo, importante observar que a lei de registros públicos nº 6.015/73, não prevê expressamente que a aceitação, cessão ou renúncia dos direitos hereditários seja considerada um título hábil para o registro de imóveis.
Posto isto, tal escritura não consta do rol taxativo de documentos estabelecidos pelo artigo 167 da referida lei, não fica de forma expressa na parte dos atos de registro/averbação da referida lei, muito menos no Código Civil ou qualquer outra legislação esparsa que fundamente a prática de considerar termo ou escritura como título hábil para o registro de imóveis.
Pois bem, dito isso não poderia faltar as sábias palavras do registrador paulista Ademar7 Fioranelli sobre CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS em sua obra de Direito Registral Imobiliário.
Os contratos versando sobre herança, de forma geral, são instrumentalizados como sendo de “cessão de direitos hereditários”, estipulando a respeito da massa hereditária ou objetivando imóvel certo e determinado integrante de determinado monte partível. É inerente a esses tipos de contratos relevante aspecto jurídico, que os submete aos mesmos princípios reguladores da compra e venda, o que tem merecido, no decorrer dos tempos, ampla e considerável discussão por parte dos doutrinadores – e não menor apreciação pelos nossos julgadores no sentido de se fixar o seu acesso, ou não, ao Registro Imobiliário. A matéria já foi enfrentada pelo C. Supremo Tribunal Federal, que defendeu a posição da recepção do título no assento registral (RF 110/77 e 122/134). Hoje, a nosso ver, não há mais dúvida a respeito, tendo a jurisprudência administrativa registral solidificado ? entendimento da impossibilidade do seu ingresso, por ferir princípios básicos do direito imobiliário, tais como os da continuidade, especialidade, disponibilidade, e, também, por ausente no elenco taxativo do inc. I do art. 167 da Lei 6.015/73. Consagra o entendimento, ainda, que o direito à herança é considerado imóvel apenas por ficção legal, cabendo ao cessionário de tais direitos pleitear no inventário o pagamento em partilha do que coubesse ao cedente, como sub-rogado nos direitos deste último. Resumindo: o direito do herdeiro só se materializa com a partilha. Sua cota é ideal, e só se torna certa pela partilha, faltando, assim, os elementos que permitam o lançamento no Registro Imobiliário. O registro, se permitido, desprezaria os já citados princípios registrários, que, rigorosamente, devem ser preservados, fato não observado nas decisões prolatadas pelo C. Supremo Tribunal Federal. Neste sentido: “Direitos hereditários não são suscetíveis de registro, consoante a jurisprudência pacifica do Conselho; e o compromisso de compra e venda não tem objeto determinado, precisamente porque ainda não houve partilha e especificação dos bens inventariados…
Além disso, o registrador, em seu artigo, continua apresentando argumentos que estão em consonância com sua visão predominante na jurisprudência e na doutrina, no que diz respeito à impossibilidade do registro da cessão de direitos hereditários…
(Ap. civel 6.861-0, São Caetano do Sul, 13.4.87, CSMSP, Rel. Des. Sylvio do Amaral) “Depois, oportuno é salientar que direitos hereditários não são passíveis de ingresso no Registro de Imóveis.” “Cabe ao interessado ultimar os inventários nos quais possui direitos e providenciar o registro do formal de partilha.” (Ap. cível 4.258-0, Jacupiranga, 15.7.85, CSMSP, Rel. Des. Nélson Pinheiro Franco) O ilustre Magistrado Kioitsi Chicuta, ao decidir dúvida por mim suscitada no proc. 382/90, em 6.9.90, perante a 1.a Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo, assim decidiu: “A herança, como é cediço, constitui uma universitas juris, um complexo ideal, composto de direitos e obrigações, móveis e imóveis. E. enquanto não solidificado o direito do herdeiro sobre determinado bem, através da partilha, não se pode dar acolhida a título que instrumenta cessão de direito sobre parte ideal de um bem integrante do monte, sob pena de ofensa aos princípios da continuidade e da especialidade.” Claro que, figurando na matrícula ou transcrição anterior o de cujus como proprietário disponente, diverso do que, no título, figura como transferente (o cedente dos direitos hereditários), o ato pretendido, sem a prévia mudança da titulariedade, vulnera a consecutividade do registro, conforme regra expressa continuada nos arts. 195 e 237 da Lei 6.015/73, interligado ao da disponibilidade, que se vincula ao enunciado de que ninguém pode transmitir o que não detém, ou no dizer dos latinos: “nemo dat quot non habet”. A impossibilidade do registro das aquisições do direito à sucessão aberta é reconhecida, também, pela maioria dos doutrinadores, destacando-se os seguintes: Afrânio de Carvalho (Registro de Imóveis, forense, 1976, p. 49 e 270); Walter Ceneviva (Normas do Registro de Imóveis, Freitas Bastos, 1988, p. 102). Nesta linha, destacamos as palavras do mestre Serpa Lopes, que salienta: “[…] em relação à cessão de direitos hereditários cumpre salientar que, nada obstante ser considerado imobiliário o direito à sucessão aberta, não está subordinada ao Registro de Imóveis.” (Tratado dos Registros Públicos, 1955, vol. III, p. 295) O autor deste trabalho não descarta a possibilidade do registro de escritura de cessão de direitos hereditários quando, no momento da sua apresentação a registro, já tiver sido registrado o formal de partilha do falecido, no qual tenha sido tocado ao herdeiro cedente o mesmo imóvel objeto do título. Este, então, será recepcionado como compra e venda, já que a simples denominação dada ao negócio jurídico não altera a sua essência, como, aliás, dispõe o art. 85 do CC. Neste caso, se a cessão era antes tida como condicional, deixou de sê-lo no instante em que o imóvel passou a figurar, in tabula, em nome do cedente e que passou a ter a disposição da coisa.
Contudo, a escritura serve apenas como um título para que o cessionário possa se habilitar no processo de inventário judicial ou extrajudicial, assumindo, para todos os efeitos legais, a condição de herdeiro, consequentemente, o cessionário pode requerer a abertura da sucessão e a partilha dos bens, conforme previsto no artigo 1.772, parágrafo primeiro, do Código Civil.
Após a habilitação no inventário, é o formal de partilha que concede ao cessionário o direito de propriedade sobre o imóvel. Este documento formal de partilha constitui o título que deve ser apresentado para registro no cartório de imóveis, conforme preconizado no artigo 167, inciso I, da Lei nº 6.015/73.
Portanto, a formalização da cessão de direitos hereditários exige escritura pública, todavia, reafirmamos que não encontra guarida no Registro de Imóveis, refletindo a especificidade e fala as limitações previstas pela legislação vigente.
Segundo os artigos 16, 17, 18 e 19 da Resolução nº 35 do CNJ, a renúncia deve ser feita de forma clara e inequívoca para garantir seu reconhecimento formal, quando houver renúncia ou partilha que implique em transmissão, os cônjuges dos herdeiros devem comparecer à lavratura da escritura pública de inventário e partilha, exceto no regime de separação absoluta de bens.
Dito isso, o(a) companheiro(a) com direito à sucessão deve ser incluído, podendo ser necessário recorrer à decisão judicial se não houver consenso sobre a união estável ou sobre outros herdeiros. A meação do(a) companheiro (a) pode ser reconhecida na escritura pública, desde que todos os herdeiros e interessados, plenamente capazes, estejam presentes e concordes.
Para concluir, é evidente que os pontos abordados, destacam a análise das escrituras públicas de aceitação, renúncia e cessão de direitos hereditários, e revela a complexidade e a especificidade dos procedimentos relacionados à herança no direito brasileiro, apesar de sua importância na formalização e regulamentação dos direitos sucessórios, essas escrituras não são aptas para registro diretamente no Cartório de Registro de Imóveis. Isso se deve ao fato de que a Lei de Registros Públicos e o Código Civil brasileiro não incluem explicitamente tais escrituras no rol de atos aceitos para registro. O registro de imóveis é regido por princípios específicos, como continuidade, especialidade e disponibilidade, que não se aplicam diretamente às transações de direitos hereditários antes da partilha formal dos bens.
A aceitação da herança, embora crucial para o processo sucessório, não resulta automaticamente na transferência de propriedade dos bens. A aceitação apenas confirma o status do herdeiro como titular dos direitos sobre a herança, sendo que a transferência real dos bens ocorre somente após a partilha.
A renúncia à herança deve ser feita de forma expressa e formal, conforme o artigo 1.806 do Código Civil, através de escritura pública ou termo judicial. A jurisprudência é clara ao exigir a formalização pública da renúncia, visto que o ato deve ser reconhecido formalmente para que produza efeitos legais. O mesmo princípio se aplica à cessão de direitos hereditários, que deve ser realizada por escritura pública e não pode ser registrada diretamente no Cartório de Registro de Imóveis.
Todavia, no que tange à cessão de direitos hereditários, é importante destacar que, apesar de ser formalizada por escritura pública, a transferência de direitos hereditários não é imediatamente registrável no Cartório de Imóveis. O direito de preferência dos co-herdeiros e as exigências de formalização garantem que a cessão seja realizada de acordo com as normas legais, mas a efetiva transferência de propriedade só ocorre após a conclusão do inventário e a emissão do formal de partilha.
Em conclusão, a formalização dos atos de aceitação, renúncia e cessão de direitos hereditários deve observar rigorosamente as exigências legais, distinguindo-se claramente do processo de registro de imóveis. O formal de partilha e a escritura de inventário são os documentos exclusivamente capacitados para efetivar a transferência de propriedade no Cartório de Imóveis. Por outro lado, embora as escrituras de aceitação, renúncia e cessão desempenhem um papel crucial na abertura, habilitação e conclusão do inventário, elas não têm a validade necessária para o registro de imóveis.
Fonte: Migalhas