A Corregedoria Nacional de Justiça publicou, no dia 16 de março de 2023, o Provimento nº 141/2023, que facilitou a alteração de regime de bens na União Estável. A norma altera o Provimento nº 37/2014 do CN-CNJ, para se adequar às determinações da lei 14.382, de 2022.
Sucessivamente, foi publicado o Provimento nº 146/2023 do CN-CNJ, de 26 de junho de 2023, com o fim de aclarar os limites do instrumento do termo de dissolução da união estável e partilha ou alteração de regime de bens, emitido pelo oficial de registro civil das pessoas naturais, em relação à escritura pública declaratória de dissolução da união estável com partilha de bens, conforme o art. 108 do CC/2002. O referido provimento também evidenciou a necessidade do registro do título estrangeiro de união estável ou a sua dissolução no Registro de Títulos e Documentos, para produzirem efeitos perante terceiros, dentro do território nacional (art. 129, “6º”, da LRP).
O Código Civil de 2002, em seu art. 1.725, estabeleceu que na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. Logo, é possível afirmar que a entidade familiar na união estável, configurada pela convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, regulamenta as relações patrimoniais entre os companheiros de modo informal. Na ausência de convenção escrita, serão aplicadas as regras do regime de comunhão parcial de bens do casamento.
Portanto, para que se estabeleça um regramento diverso, o acordo entre os companheiros deve ser realizado pela forma escrita, bem como a sua alteração no curso da relação de fato, daí que o art. 9º-A do Provimento nº 37/2014 do CN-CNJ permite a alteração do regime de bens no registro de união estável diretamente perante o registro civil das pessoas naturais, desde que o requerimento tenha sido formalizado pelos companheiros pessoalmente perante o registrador ou por meio de procuração por instrumento público.
Segundo o autor DE PLACIDO E SILVA, o regime de bens – ou matrimonial -, é o “conjunto de regras e princípios reguladores da situação jurídica dos bens dos consortes, durante a vigência da sociedade conjugal, e das relações de ordem econômica havidas entre eles e os terceiros, que, com eles, contratarem”.[1]
Conforme analisado, o art. 1.725 do Código Civil esclarece que o regime da comunhão parcial de bens é aplicado para as relações patrimoniais entre os companheiros no que for cabível. Ressalva-se a existência de contrato escrito, o qual permite outras formas de regulamentação do aspecto econômico entre os companheiros, ou entre eles e terceiros com quem contratarem.
Cumpre ressaltar que, segundo a doutrina de GUSTAVO TEPEDINO, o uso do termo “regime de bens” na união estável é aplicado por “empréstimo”, ou “analogia”.[2]
O regime de bens está vinculado ao ato-condição solene, pressuposto para sua validade e eficácia: o casamento; que se justifica pela ampla publicidade perante terceiros, dada pelo registro no Livro Auxiliar do Registro de Imóveis, bem como a averbação, no Livro 2, de bens imóveis dos consortes (CC, arts. 1.653 e 1.657). Daí, o legislador ter aplicado o regime da comunhão parcial de bens às uniões estáveis, no que couber. Exemplo disso é a outorga conjugal, que gera a anulabilidade do negócio, nas hipóteses de alienação ou oneração de bens imóveis, bem como, pleitear, como autor ou réu acerca destes bens e todas as situações que possam colocar em risco a estabilidade econômica da entidade familiar, salvo o regime da separação total de bens convencional (CC, arts. 1.647 c.c. 1.649).
De outro lado, a necessidade de outorga convivencial não é oponível a terceiros, porque na união estável há preponderantemente uma informalidade no vínculo entre os conviventes, que não exige qualquer documento, caracterizando-se apenas pela convivência pública, contínua e duradoura, segundo entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça.[3]
Esta é a razão do art. 9º-A, §1º, do Provimento 37/2014 do CN-CNJ ter incluído a ressalva de que na averbação da alteração se consigne a advertência de “a alteração do regime de bens não prejudicará terceiros de boa-fé, inclusive os credores dos companheiros cujos créditos já existiam antes da alteração do regime.” Para tanto, exige que ambos os companheiros requeiram a alteração das relações patrimoniais entre si diretamente perante o registro civil das pessoas naturais, seja aquele em que está no assento ou qualquer outro.
Mais uma vez, a Central de Informações do Registro Civil – CRC – é o mecanismo base para encaminhar o requerimento processado em oficio de pessoas naturais diverso daquele em que assentada a união estável. Recebido o procedimento, caberá ao oficial de registro civil confrontar com o assento da união estável no Livro E, bem como qualificar o título, com fulcro na lei (LRP, art. 198, caput).[4]
A averbação da alteração patrimonial exige, além do requerimento conjunto, a existência do registro da união estável no Livro E do Registro Civil das Pessoas Naturais, em que os companheiros têm residência. Ademais, a apresentação de certidão do distribuidor cível e execução fiscal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal); certidão dos tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos cinco anos; certidão da Justiça do Trabalho do local de residência dos últimos cinco anos; constituem requsitos para instrução do procedimento para a prática do ato registral.[5] A certidão de interdições perante o 1º ofício de registro civil das pessoas naturais do local da residência dos interessados dos últimos cinco anos também é um dos documentos que instruem o pedido, de forma que se a certidão for positiva, a alteração do regime patrimonial dos conviventes deverá se processar pela via judicial.[6]
Sob ecos do recente artigo escrito nesta coluna[7], o Provimento 37/2014 do CN-CNJ – com as alterações dada pelo Prov. 146/2023-, em seu art. 9º, § 3º, dispõe que se no requerimento de alteração de regime de bens houver proposta de partilha de bens – respeitada a obrigatoriedade de escritura pública nas hipóteses legais, como na do art. 108 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) – e/ou quando as certidões do distribuidor cível e execução fiscal, dos tabelionatos de protestos, certidão da Justiça do Trabalho forem positivas, os companheiros deverão estar assistidos por advogado ou defensor público, assinando com este o pedido.
Para instrução do procedimento de alteração de regime patrimonial, o oficial exigirá a apresentação de proposta de partilha de bens, ou declaração de que por ora não desejam realizá-la, ou, ainda, declaração de que inexistem bens a partilhar, a fim de respeitar os limites do termo declaratório de dissolução da união estável.[8]
Não se tem clareza se o termo declaratório de alteração de regime patrimonial, com partilha, é hábil para ingresso no fólio real. Caso se entenda que sim, o oficial de registro de imóveis deverá verificar, antes de qualificar a partilha, se a forma ad solemnitatem foi respeitada, visto que está na essência de certos atos a escritura pública, o que ocorre com as hipóteses contidas no art. 108 do CC.
Não cabe ao oficial de registro civil das pessoas naturais, no momento da qualificação do requerimento, com os documentos e dados contidos no procedimento registral, verificar incompatibilidades com art. 1.641, inc. II do CC. A Súmula 655 do Superior Tribunal de Justiça, exige o exame no início do relacionamento entre os companheiros. Igualmente, não é permitido que se altere para outro regime, no caso de já seguirem o regime da separação obrigatória de bens, em decorrência de um deles ser pessoa idosa (maior de 70 anos).
A averbação de alteração do regime de bens no registro da união estável informará o regime anterior, a data de averbação, o número do procedimento administrativo, o registro civil processante e, se houver, a realização da partilha.[9]
Os efeitos decorrentes do novo regime patrimonial serão gerados a partir da respectiva averbação no registro da união estável, não retroagindo aos bens adquiridos anteriormente em nenhuma hipótese, em virtude dessa alteração. Contudo, observa-se que, se o regime escolhido for o da comunhão universal de bens, os seus efeitos atingem todos os bens existentes no momento da alteração, ressalvados os direitos de terceiros, ou outra hipótese agasalhada pela jurisdição.[10]
Assim, bens anteriormente alienados ou onerados não serão atingidos retroativamente pela alteração, tampouco às relações jurídicas, pois limita-se a reger o regime patrimonial, com base nos bens existentes, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.[11]
Contudo, nada impede que os consortes efetivem a averbação de alteração do regime patrimonial, e, no dia seguinte alterem o regime novamente por instrumento particular. Não se pode falar em estabilidade dos efeitos contra terceiros do estado de fato entre duas pessoas que mantém uma relação contínua, pública e duradoura, para fins de constituírem uma entidade familiar (CC, art. 1.723, caput, c.c. 1.725).
Inexistindo lei estadual específica sobre a cobrança de emolumentos do processamento do requerimento de alteração de regime patrimonial, o registrador civil deverá usar valor do procedimento de habilitação de casamento.[12]
O direito material é que concede o tom para o direito formal dos registros públicos, e não o inverso, tal qual ocorre pelo princípio da instrumentalidade das formas dentro do direito processual civil (CPC, art. 198). A relação entre os companheiros não está vinculada a forma específica, pois, a finalidade das regras da união estável, previstas na Constituição Federal (art. 226, 3º) e no Código Civil (arts. 1.723 a 1.727), é a de proteger aqueles que optem por uma relação sem as formalidades e o regramento do casamento.
Sejam felizes.
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[1] DE PLACIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocabulário jurídico 18ª ed. rev. e atual. por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 1.792
[2] TEPEDINO, Gustavo. Controvérsias sobre regime de bens no Código Civil. In: Revista dos Advogados da Associação dos Advogados de São Paulo, no 98, ano XVIII, julho de 2008, p 111.
[3] Por exemplo, o REsp. nº .1.592.072/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe. 18/12/2017.
[4] §§6º e 8º do art. 9-A do Provimento nº 37/2014, incluído pelo Provimento nº 141/2023.
[5] Art. 9-B do Provimento nº 37/2014, incluído pelo Provimento nº 141/2023.
[6] Art. 9º-A, §2º, do Provimento nº 37/2014, incluído pelo Provimento nº 141/2023
[7] KÜMPEL, V. F.; MADY, F. K., A busca pela natureza jurídica do termo declaratório de união estável.
[8] CPC, art. 733 c.c. art. 108, e Prov. 37/2014 do CN-CNJ, art. 9º-A, § 7º
[9] Prov. 37/2014 do CN-CNJ, com as alterações do Prov. 141/2023 do CN-CNJ, art. 9º-A, § 5º.
[10] Prov. 37/2014 do CN-CNJ, com as alterações do Prov. 141/2023 do CN-CNJ, art. 9º-B, inc. V
[11] STJ, REsp. nº 1.845.416/MS, rel. Min. Nancy Andrigh, j. 17.08.2021.
[12] Prov. 37/2014 do CN-CNJ, art. 9º-A, § 7º.
Fonte: Migalhas