Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior, Marcos Antônio Nicéas Rosa e Tiago Magalhães Costa
A nossa reflexão ficará acerca da “Normativa Mínima – Títulos e Documentos II” do CNJ, que em seu art. 48 determina o reconhecimento de firma nos instrumentos de mandato outorgados aos advogados para a realização de atos cartorários perante os registros de títulos e documentos em nome dos outorgantes, a despeito da inexigência do art. 5º da lei 8.906/94.
O Conselho Nacional de Justiça, por meio da portaria 65, de 21 de novembro de 2014, delegou à Corregedoria Nacional de Justiça a criação de um grupo de trabalho com a finalidade de elaborar uma normatização mínima de âmbito nacional para os tabelionatos de notas, protestos e de registros públicos. Assim a Corregedoria Nacional criou a Normativa Mínima dos Serviços Extrajudiciais.
Todavia, essa normativa é objeto de várias divergências perante a Ordem dos Advogados do Brasil em diversos Estados, como também de diversos juristas, os quais questionam alguns dispositivos legais.
A nossa reflexão ficará acerca da “Normativa Mínima – Títulos e Documentos II” do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que em seu art. 48 determina o reconhecimento de firma nos instrumentos de mandato outorgados aos advogados para a realização de atos cartorários perante os registros de títulos e documentos em nome dos outorgantes1, a despeito da inexigência do art. 5º da lei 8.906/94.
Do compulso à lei, infere-se que, de fato, o art. 48 da “Normativa Mínima – Títulos e Documentos II” do CNJ exige sempre o reconhecimento de firma nos instrumentos de mandato destinados ao registro de títulos e documentos, mediante ato administrativo, excedendo as atribuições do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conquanto cria imposição que não consta da lei 8.906/94 e, no ponto, excede os limites constitucionais e legais de sua atuação, contrariando também a lei 10.460/02 – Código Civil, a qual, ao tratar do contrato nominado “mandato”, em nenhum dos dispositivos impõe o reconhecimento de firma como requisito legal para a validade da outorga procuratória.
Ao contrário, o § 2º do art. 654 do CC2 apenas faculta a exigência com a locução: poderá exigir, distante, portanto, da inversão normativa que, se implantada de maneira equivocada pelo CNJ, ao fazer da exceção a regra, pouco importando a invocação do art. 158 da lei 6.015/733, porque vigente e eficaz o dispositivo, torna desnecessária a regulamentação e o arvorar do CNJ na matéria, dados os efeitos extrínsecos de qualquer ato normativo, segundo a Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro (LINDB), mormente por desconsiderar todas as particularidades do exercício profissional dos advogados e a legislação específica que rege a profissão.
Porque, para além do aspecto legal da competência material a seguir analisada, um instrumento de mandato, quanto outorgado a um advogado, perpassa a simples celebração de um contrato, se destacando das outorgas ordinárias em razão das garantias constitucionais da profissão, clausuladas pelo art. 133 da CRFB/884 como: indispensabilidade e imunidade, sendo certo que a outorga de uma procuração de um cidadão a outro para a prática de determinados atos não traz ínsita a mesma relevância e importância de outorga de uma procuração a um advogado.
Pois é profissão destacada no texto constitucional, alçada a múnus público e como parte indispensável à administração da justiça, termo esse que, no contexto destes autos, tem de ser compreendida em sentido lato, por que atuam os advogados como procuradores, mas imbuídos de objetivos maiores do que a mera gestão de negócios em nome de seus outorgantes[5].
Ademais, a lei 8.906/94, regente do Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil, ao regular o exercício da profissão, não excepciona em momento algum, em qualquer âmbito de atuação, em extensão ou profundidade, a necessidade do reconhecimento de firma nas procurações outorgadas aos advogados, assentando o art. 5º, §§1º, 2º e 3º6, como exigência suplementar, apenas a outorga de poderes especiais nos casos legais e nada mais, autorizado que está, inclusive em juízo, a atuar sem procuração em caso de urgência.
Assim, segundo a gradação normativa do art. 59 da CRFB/88, dos critérios de dirimição das antinomias reais ou aparentes, das particularidades constitucionais da profissão que tem cadastro público, é instrumento para a efetivação do critério de justiça possuir documento de identificação profissional, além dos comuns a disposição de todo e qualquer cidadão, com o respaldo legal de Lei Federal específica em vigor e vigência, sem qualquer questionamento perante o Supremo Tribunal Federal (STF), somado as limitações e objetivos particulares do CNJ que no caso se excede, ao trazer, por ato administrativo hierarquicamente inferior, exigência à pratica de atos cartorários perante os registros de títulos e documentos, sem ressalva aos advogados, com aplicação erga omnes, revela-se ato ilegal.
Acrescento ainda que gozam os advogados de fé pública, na medida em que, ao apresentarem fotocópia de qualquer documento, podem declará-lo autêntico, nos termos do art. 1º da lei 11.925/097, que modificou o art. 830 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); art. 11, §1º da lei 11.419/158; e art. 425, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC) de 20159, sendo inegável que, para o Estado brasileiro, os advogados ocupam degrau superior em confiança e credibilidade inatas ao histórico e ao pleno exercício da profissão.
Igualmente, não pode ser olvidado o nascimento para o mundo jurídico da lei 13.726/18, a chamada “lei da desburocratização”, que no art. 3º, inciso I, registra que:
“Na relação dos órgãos e entidades dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com o cidadão, é dispensada a exigência de:
I – reconhecimento de firma, devendo o agente administrativo, confrontando a assinatura com aquela constante do documento de identidade do signatário, ou estando este presente e assinando o documento diante do agente, lavrar sua autenticidade no próprio documento;
Proibindo o § 1º:
“É vedada a exigência de prova relativa a fato que já houver sido comprovado pela apresentação de outro documento válido.
Outrossim, muito embora o Conselho Nacional de Justiça-CNJ exerça o controle interno do Poder Judiciário, no que se incluem os Cartórios Extrajudiciais, ao editar a “Normativa Mínima – Títulos e Documentos II”, aplicando indistintamente a exigência do reconhecimento de firma nas procurações outorgadas a advogados para o registros de títulos e documentos, a nosso sentir, extrapolou sua competência regulamentar materialmente, violando, ainda que em mínima medida, o art. 2º; art. 5º, incisos II e XIII; art. 22, inciso I; art. 48, inciso IX; art. 84, inciso IV e 103-B, § 4º, inciso I, neste caso, com destaque para a oração “no âmbito de sua competência”, todos da Constituição Federal.
Vedada ao CNJ a criação de obrigações que se estendam a órgãos estranhos ao Poder Judiciário, segundo reiteradamente vem se pronunciando o STF, pois, in casu, criou obrigação para a Ordem dos Advogado do Brasil, personificada em toda a advocacia, a despeito da lei 8.906/94 olvidada.
Assim, por desrespeitar o art. 48 da “Normativa Mínima – Títulos e Documentos II” do CNJ, a prévia existência de norma legal hierarquicamente superior e específica, bem como exceder sua esfera de competência material, pois cerceando o pleno exercício da advocacia, que traz em si toda uma carga histórica, doutrinaria e legal de defesa dos direitos, nos termos do art. 54, incisos II, III e XIV da lei 8.906/94, sem dúvida, opinamos pela a exclusão da eficácia do dispositivo questionado, ou seja, art. 48 da “Normativa Mínima – Títulos e Documentos II” do CNJ a fim de seja restaurado o império do Estatuto10, em sua plenitude.
Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior é pós-doutor em Direito Constitucional na Itália, advogado, professor universitário, sócio fundador Escritório SME Advocacia, conselheiro da OAB/GO, presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO, membro consultor da Comissão de Estudos Direito Constitucional da OAB NACIONAL e integrante da lista referencial de árbitros da CAMES.
Marcos Antônio Nicéas Rosa é especialista em Direito Civil e Processo Civil, advogado, professor universitário e secretário da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO.
Tiago Magalhães Costa é especialista em Direito Civil e Processual Civil, advogado, professor universitário, sócio fundador Escritório SME Advocacia, vice-presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO.
Fonte: Migalhas