As tentativas de regular o mercado imobiliário provocam debates, como na discussão sobre a não aplicação do CDC para incidência de alienação fiduciária em garantia (TEMA 1.095 STJ), gerando novas teses e ações replicadas, especialmente na desqualificação de contratos de alienação por simulação de financiamentos.
Há que se ter o tema em discussão porque tem se popularizados decisões em que alguns juízes têm entendido que, quando o próprio loteador ou construtor financiam o bem que vendem, com cláusula de alienação fiduciária sobre o bem vendido, estaria a ocorrer simulação tornando a compra e venda muito onerosa para o consumidor.
Surge daí a necessidade de se colocar alguns pingos nos is em relação a este tema. Num juízo a priori deve-se evitar a tentação de se entender contratos com cláusulas deste tipo, como negócios jurídicos que venham a ser disciplinados pelo CDC, eis que, justamente, o julgamento do Tema Repetitivo 1.095 STJ aponta em sentido diverso, e malgrado juízes tenham (e devem mesmo ter eis que isso é da essência da democracia – liberdade para decidir de acordo com seu livre convencimento motivado) não parece ser medida de boa prudência julgar processos fora do raio de entendimento interpretativo repetitivo das Cortes Superiores.
Isso porque, como sabido, o julgamento em sentido contrário, sem indicação de um fator diferencial (discrimem adequado como apontam autores como Celso Antônio Bandeira de Mello – em seu magistral O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade) ou sem fundamento em alguma ideia de overruling, apenas se presta a vulnerar de modo inadequado o princípio da segurança jurídica.
A segurança jurídica não está acima da lei Maior, devendo buscar-se a adequação das decisões judiciais aos mandamentos constitucionais, a fim de se proteger os pilares que sustentam o regime democrático, mas, malgrado a coisa julgada não possa ser encarada como um valor absoluto, pois às vezes deriva de decisões teratológicas ou encontra fundamento em falhas ou fraudes grosseiras (STF. Revista Consultor Jurídico, Anuário da Justiça Brasil, 2011: O Poder da última palavra. São Paulo: Conjur Editorial, p. 51) ainda assim a mesma implica em valor a ser assegurado.
Isso porque não se pode esquecer de que a norma contida no artigo 5º, inciso XXXVI CF garante a segurança jurídica em torno da questão decidida de modo repetitivo pelas Cortes Superiores. O STF, inclusive, em mais de uma oportunidade1, vem reconhecendo, até mesmo, a existência de uma garantia constitucional implícita, que seria o princípio da segurança jurídica (há mesmo quem aponte a necessidade de que os Tribunais validem a justified trust que se confia ao Poder Judiciário), por trás da preservação da coisa julgada.
Confira aqui a íntegra do artigo.
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1 A respeito, as considerações tecidas pelo Ministro Celso de Mello, em julgamento realizado pelo Pretório Excelso em 26.03.2.010: “Os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram- se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público, em ordem a viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre comportamentos de qualquer dos poderes ou órgãos do Estado (os Tribunais de Contas, inclusive), para que se preservem, desse modo, situações administrativas já consolidadas no passado” … Aponta-se ainda a “Proteção da Confiança”, segundo a qual “a fluência de longo período de tempo culmina por consolidar justas expectativas no espírito do administrado (cidadão) e, também, por incutir, nele, a confiança da plena regularidade dos atos estatais praticados, não se justificando – ante a aparência de direito que legitimamente resulta de tais circunstâncias – a ruptura abrupta da situação de estabilidade em que se mantinham, até então, as relações de direito público entre o agente estatal, de um lado, e o Poder Público, de outro”.
Fonte: Migalhas