Brasil é o quinto país do mundo em números absolutos de casamentos de menores de idade. Uniões precoces colocam em risco futuro de meninas e geram círculo de pobreza e desigualdade.
O casamento infantil é uma realidade ainda bastante presente na América Latina. E, o Brasil é o país da região com o maior índice de meninas com menos de 18 anos casadas ou vivendo em situação similar ao matrimônio.
De acordo com a organização Girls not Brides, mais de 2,2 milhões de menores de idade são casadas no Brasil ou vivem numa união estável – cerca de 36% da população feminina brasileira menor de 18 anos. O Brasil é o quinto país do mundo em números absolutos de casamento infantil. Na América Latina, o México fica em segundo lugar, com 1,42 milhão de meninas menores de 18 anos casadas ou vivendo em união estável. Essa situação atinge 26% da população feminina mexicana menor de idade.
Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil e do México, mas atinge toda a América Latina. Um estudo da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) de 2022 mostrou que, em média, 22% das meninas da região eram casadas ou viviam em situação similar antes de completar 18 anos. Segundo a diretora da Divisão de Assuntos de Gênero da Cepal, Ana Güezmes, essa taxa de incidência tem se mantido relativamente constante nos últimos 25 anos.
Güezmes alerta ainda que, em vários países da região, essa taxa passa de 30%, como na Nicarágua (35%), Honduras (34%) e República Dominicana (32%). Apenas quatro países possuem taxas menores de 20%: Jamaica (8%), Peru (14%), Argentina (16%) e Costa Rica (17%). No entanto, esses números podem ser bem maiores.
“A medição de casamentos infantis, precoces e forçados tem uma série de limitações e geralmente é subnotificada”, pontua Güezmes.
Por isso, Juan Martín Pérez, coordenador da iniciativa Tecendo Redes da Infância na América Latina e Caribe, prefere falar de “uniões infantis ou precoces” para uma abordagem mais ampla. “Os casamentos infantis são, na realidade, uma porcentagem pequena deste problema complexo”, destaca.
Proibição legal não impede casamentos infantis
Na região, o casamento infantil é proibido atualmente na Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Porto Rico e República. Já na Bolívia, Brasil, Chile, Nicarágua, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, o casamento é permitido a partir de 16 anos com autorização dos pais, representantes legais ou de um juiz.
Em relação à legislação, a Cepal considera a situação mais preocupante na Colômbia ou Argentina, onde o casamento é permitido antes dos 16 anos por “motivos justificados”. Na Colômbia, por exemplo, meninas podem se casar a partir de 14 anos com a autorização dos pais ou representante legal.
Güezmes ressalta que casamentos e uniões infantis “constituem uma violação de direitos humanos dos menores, além de serem fenômenos complexos relacionados à desigualdade de gênero, violência, pobreza, abandono escolar, gravidez na adolescência e políticas inadequadas que colocam em risco o presente e futuro de meninas e adolescentes”.
“Essas práticas nocivas limitam fortemente a autonomia econômica, física e na tomada de decisões de mulheres e meninas e dificultam seu caminho para o desenvolvimento”, acrescenta a especialista.
Pérez pontua ainda que estudos mostram que, geralmente, menores casadas ou vivendo com um parceiro tendem a engravidar em menos de um ano e ter imediatamente depois outro filho. Isso cria um círculo de pobreza e desigualdade estrutural, pois essas crianças tendem a repetir esse padrão.
Região pode ter segundo maior índice do mundo
Sem ações e investimento dos governos, até 2030, a região terá o segundo maior índice de casamentos infantis do mundo, atrás apenas da África Subsaariana, alerta o Cepal. Um grande desafio no combate a essa prática é o enfretamento das lacunas de informação.
“Os Estados devem agir em várias frentes para combater o casamento infantil. É preciso romper o silêncio estático para ter evidências para a formulação de políticas públicas”, afirma Güezmes.
“Atuando na perspectiva de igualdade de gênero, considerando os direitos de crianças e adolescentes, com um enfoque interseccional que favoreça o desenvolvimento de políticas integrais que possam dar conta da complexidade deste fenômeno”, acrescenta.
Fonte: G1