STF pode retomar ação sobre direito a tratamento de acordo com gênero de trans

 

A mudança regimental do Supremo Tribunal Federal que limita os pedidos de vista a 90 dias vai liberar para julgamento uma ação que discute o direito de pessoas transexuais a tratamento social de acordo com sua identidade de gênero.

 

O processo, sem movimentação há sete anos, envolve alegada violação à dignidade da pessoa humana e aos direitos da personalidade, e tem repercussão geral. O caso discutido é de uma transexual que foi proibida de utilizar o banheiro feminino em um shopping center em Santa Catarina.

 

Durante o julgamento, em 2015, o ministro Luiz Fux pediu vista apontando que a causa suscita “desacordo moral”, e desde então a ação está parada. Com a liberação automática, caberá à presidente da Corte colocar o processo em pauta, seja no Plenário Virtual ou presencial.

 

Até o pedido de vista, havia dois votos para garantir às pessoas transexuais tratamento segundo sua identidade social: o do relator do caso, Luís Roberto Barroso, e outro de Luiz Edson Fachin.

 

Em seu voto na sessão de 13 de novembro de 2015, Barroso disse que pessoas transexuais compõem uma minoria marginalizada. Afirmou que o “remédio” contra a discriminação envolve “uma transformação cultural capaz de criar um mundo aberto à diferença, onde a assimilação aos padrões culturais dominantes ou majoritários não seja o preço a ser pago para ser respeitado”.

 

“Destratar uma pessoa por ser transexual — destratá-la por uma condição inata — é a mesma coisa que a discriminação de alguém por ser negro, judeu, mulher, índio ou gay. É simplesmente injusto, quando não manifestamente perverso”, declarou Barroso no voto.

 

Já o ministro Fux justificou seu pedido de vista dizendo que a questão envolve “desacordo moral bastante razoável”, o que demandaria que vários segmentos da sociedade fossem ouvidos a respeito do tema. “Onde há desacordo moral razoável, é preciso que nós tenhamos ouvidos atentos ao que a sociedade pensa.”

 

Sete anos de espera

Desde o pedido de vista que suspendeu o julgamento em 2015, o Supremo estabeleceu proteção jurídica até mais abrangente à população trans, lembra Antonella Galindo, mulher trans e professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

 

Ela cita, por exemplo, a decisão pela criminalização da homofobia e da transfobia, na ADO 26; e a garantia à alteração do prenome sem necessidade de intervenção cirúrgica de redesignação pessoal, na ADI 4.275.

 

No entanto, a demora na retomada desse julgamento específico deixa em suspensão a garantia de direitos de uma parcela particularmente vulnerável da população, destaca Fernanda Pessanha do Amaral Gurgel, advogada, professora do Mackenzie e diretora do Instituto Brasileiro do Direito de Família em São Paulo (IBDFAM-SP).

 

“Não se trata apenas do uso do banheiro. O julgamento do caso envolve o reconhecimento de direitos personalíssimos de uma parcela da população que precisa ser protegida e tratada com dignidade. A não correspondência entre a identidade de gênero e o sexo biológico é uma realidade de muitas pessoas, já reconhecida pela ciência e que merece a devida proteção jurídica em vários espectros sociais: no esporte, no ambiente de trabalho, nos banheiros, vestiários, escolas, etc”, defende.

 

Ao defender a existência de repercussão geral no julgamento, o relator, ministro Barroso, se mostrou sensível a essa necessidade. “Diferentemente do imenso varejo de miudezas que ainda ocupam o tempo desta Corte, as teses ora discutidas inserem-se na órbita de uma das missões precípuas das Cortes Constitucionais contemporâneas: a definição do alcance dos direitos fundamentais, especialmente daqueles referentes às minorias”, pontuou ele na decisão. “A essencialidade do tema e seu impacto no tratamento social dos grupos afetados, por si sós, já justificariam a necessidade do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal.”

 

Na verdade, o ideal, segundo Márcia Rocha, a primeira advogada brasileira a exercer a profissão com nome social, seria que os direitos fossem garantidos por lei, em vez de pela interpretação do Judiciário. Mas, em sua avaliação, falta vontade política. “É muito difícil, porque é preciso de muita vontade política para aprovar algo. E nem a esquerda nem a direita querem desagradar certos grupos religiosos. Então, simplesmente vão empurrando para a frente”, afirma.

 

Rocha, que também foi a primeira conselheira transexual da OAB de São Paulo, finaliza com uma reflexão: “É uma caminhada muito, longa para que a sociedade realmente mude. Temos que continuar avançando e mostrando o que é certo. Por que a pessoa não tem o direito de existir sem prejudicar ninguém?”

 

O caso

Em Santa Catarina, uma transexual foi impedida pela segurança de usar o banheiro feminino em um shopping da capital, Florianópolis. Ela pede indenização do estabelecimento, pois acabou fazendo suas necessidades fisiológicas na própria roupa por não poder ir ao banheiro, e teve de voltar para casa de ônibus, com as roupas sujas.

 

A justiça de primeira instância já havia determinado que o shopping center pagasse indenização de R$ 15 mil à vítima, por dano moral. Contudo, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) rejeitou a indenização, ententdendo que não houve dano moral, mas “mero dissabor”.

 

O caso chegou ao Supremo e teve a repercussão geral conhecida, ficando vencidos, nesse aspecto, os ministros Marco Aurélio e Teori Zavascki. Para Marco Aurélio, a existência de controvérsia constitucional deve ser analisada a partir do acórdão questionado — e, no caso julgado, de indenização por dano moral, ela está ausente.

 

RE 845.779

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